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Reforma Trabalhista e a Figura do “Trabalhador Hipersuficiente”

24 de janeiro de 2023
Há uma ruptura com o padrão no ordenamento pátrio de que todo o trabalhador era presumivelmente hipossuficiente

A Reforma Trabalhista de 2017 trouxe inúmeras modificações no Direito do Trabalho, tal como o vínculo de trabalho, emprego do “trabalhador hipersuficiente”, figura controvertida e “confundida” com a figura do “alto empregado”. 

Nos termos do artigo 444, parágrafo único da CLT, considera-se “hipersuficiente” todo o trabalhador com diploma em curso de nível superior e que perceba salário mensal igual ou superior a duas vezes o limite máximo dos benefícios do Regime Geral de Previdência Social. 

Essa nova figura jurídica amplia a autonomia de vontade das partes integrantes da relação de emprego, permitindo que o empregador e o empregado graduado estipulem livremente as condições da relação de trabalho, observados alguns limites legais e constitucionais. 

Há uma ruptura com o padrão consolidado no ordenamento pátrio de que todo o trabalhador, por ser trabalhador, era presumivelmente hipossuficiente. A mensagem do legislador aqui, evidentemente, foi permitir que o empregado com diploma de nível superior e que perceba salário mensal igual ou superior a duas vezes o limite máximo dos benefícios do Regime Geral de Previdência Social possa estipular cláusulas contratuais que prevaleçam sobre o legislado. 

Todavia, este aspecto merece cautela por parte dos empregadores e a sua interpretação não deve levar em consideração somente a letra fria da legislação trabalhista, mas também as legislações correlatas e o cenário ao qual a aplicação é apresentada. 

A tão controvertida novidade introduzida pela Reforma Trabalhista de 2017 e objeto deste artigo tem causado relevantes discussões doutrinárias, notadamente por determinada atecnia na redação do parágrafo único do artigo 444, bem como pela certa contradição com a redação do artigo 507-A, ambos da CLT. 

Difícil contextualizar, num país como o Brasil e com realidades tão diferentes, que uma relação de trabalho, ou emprego, pela presença dos requisitos de formação em curso superior e um salário acima de aproximados 13 mil reais (duas vezes o benefício do Regime Geral da Previdência Social) sejam suficientes para demonstrar “poder de negociação” por parte do empregado, observados os termos do artigo 611-A da CLT. 

Esses dois requisitos previstos no artigo 444 são frágeis para demonstrar a hipersuficiência na prática, pois dificilmente um “trabalhador mediano” que ocupa o cargo de gerente administrativo de uma organização de qualquer porte, ou o gerente de uma agência bancária terão, efetivamente, liberdade de negociação com o empregador nos termos do artigo 611-A. Não faz parte da cultura jurídica a negociação de um “trabalhador mediano” quanto ao plano de cargos e salários, por exemplo. Esse trabalhador, ao ser contratado, invariavelmente, segue regras previamente determinadas pela organização contratante.

Raros são os vínculos firmados com trabalhadores que bem exercem o direito de negociar as condições de seus contratos de trabalho e respectivos distratos. O trabalhador que efetivamente consegue negociar condições contratuais deveria ser o identificado como “hipersuficiente”, restando caracterizada essa “hipersuficiência” com outros tantos critérios, tal como o real poder de negociação, a tal ponto de o operador do Direito facilmente identificar que o requisito da subordinação jurídica foi minimizado. 

Assim, seria o “hipersuficiente” aquele que realmente negocia condições do Contrato de Trabalho e eventual futuro Distrato, podendo contar com o apoio de uma assessoria especializada para essa negociação se assim desejar, que também tenha poder econômico que lhe garanta igualdade de condições para o ajuste laboral que melhor atender às suas expectativas. 

O que se verifica é que a vontade do legislador reformista talvez não permita realmente que o “hipersuficiente” tenha plenas condições de negociar os termos de sua contratação, ou de seu distrato reunindo somente os dois requisitos acima mencionados, ou seja, a presença isolada dos requisitos do artigo 444, CLT não são suficientes para afirmar que tais trabalhadores não se submetem a uma relação de trabalho, ou de emprego em que o contratante, empregador tenha proporcionado de fato a possibilidade de negociação e não oferecido ao trabalhador um Contrato com cláusulas inegociáveis, tal como uma adesão. Logo, não há igualdade (resguardadas as devidas proporções) no poder de negociação das partes. 

Por esses motivos, enquanto não se discute a inconstitucionalidade da norma, a aplicação do artigo 444, parágrafo único da CLT deve ser precedida da interpretação da realidade da contratação, da efetiva possibilidade de livre e mais igualitária possível negociação de direitos, verificando se os princípios protetivos foram observados e obedecidos, especialmente o da Irrenunciabilidade dos Direitos Trabalhistas e o da Inalterabilidade Contratual Lesiva. 

A proteção ao trabalhador estende-se ao momento do distrato, ou demissão, pois as verbas rescisórias devem ser devidamente quitadas, homologadas nos termos exigidos pela legislação, garantindo ao trabalhador discutir qualquer aspecto da contratação na Justiça do Trabalho, mesmo que tenha concordado com a discussão individual em Câmara Arbitral, nos termos do também discutido art. 507-A da CLT, pois deve ser garantido o acesso ao Judiciário a quem por esse Poder procura. 

Talvez a norma reformista deveria observar melhor os termos de contratação de “altos empregados”, aqueles que efetivamente conseguem negociar, estipular formas e regras na relação de emprego, ou na relação de trabalho, tal como um atleta de ponta, ou um treinador de futebol, ou um alto executivo, ou um diretor estatutário, pois esses trabalhadores reúnem características profissionais únicas, exclusivas, de alta performance, de conhecimento único ou elevado, que os conduzem a uma outra esfera de trabalhador, notadamente. Esses trabalhadores, sim, conseguiriam minorar o aspecto da subordinação jurídica, mantendo os critérios de pessoalidade, habitualidade e onerosidade, tal como outras esferas de trabalhadores. 

Logo, poderia o legislador reformista ter atrelado a figura do trabalhador “hipersuficiente” àquele que reúne condições de mitigar a subordinação jurídica e negociar condições de sua contratação de forma efetiva, não violando os princípios protetivos, ficando resguardado como direito a busca pela Justiça Trabalhista para discussão de demandas individuais. 

Além dos aspectos acima trazidos, é de extrema importância que os termos do artigo 7o. da Constituição Federal e do artigo 3o. da CLT sejam lembrados quando dessa análise e para aplicabilidade do parágrafo único do artigo 444 com a melhor técnica jurídica possível, até que se discuta, eventual e futuramente, a constitucionalidade desses meros dois critérios para identificação da real “hipersuficiência.

 

Ricardo Melantonio, superintendente Institucional do CIEE.

Raquel Barros Araújo Trevelin, gerente Jurídico, Compliance, Segurança da Informação e Privacidade do CIEE.

Raphael Augusto Alves Perillo, supervisor Jurídico e Compliance do CIEE.

Artigo originalmente publicado na edição nº. 18 da Revista CIEE Empresas.


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